Testemunho de fé: Cardel Von Thuan
02/10/2020

Adptação: Pe. Vanderlan Gomes da Paz, CP.

Durante o XV Congresso Eucarístico Nacional, realizado em Florianópolis, no ano de 2006, dom Luciano Mendes de Almeida, então arcebispo de Mariana (MG), proferiu uma palestra sobre a eucaristia e a transformação da sociedade. Foi marcante o testemunho que o bispo deu de sua convivência com o Cardeal Van Thuan, apresentando-o como modelo de homem eucarístico, de desapego, de esperança e de amor ao próximo.

Ao final de sua colocação, Dom Luciano recomendou a todos: “prestem atenção, pois esse homem será proclamado santo”. Esse homem, que despertou tanto a admiração de dom Luciano, encantava a todos com a paz de espírito que exalava. Quem não conhecia a sua história, não poderia imaginar que toda aquela serenidade tinha suas bases em uma vida de sacrifício extremo.

Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, nascido em 17 de abril de 1928, em Hue, no Vietnã, descendia de uma das primeiras famílias cristãs no país, que contava com muitos mártires, perseguidos desde o início da evangelização naquela região. Do exemplo desses mártires, mais tarde, ele tiraria sua paciência e sua coragem genuínas. Quando criança, Isabel, sua mãe, contava-lhe, todas as noites, histórias da Bíblia e do martírio de seus antepassados. Ela era muito devota de Santa Teresinha do Menino Jesus, e passou essa devoção ao filho.

Van Thuan cresceu e, com ele, sua fé, sustentada pelas orações diárias em família, conduzidas por sua avó. Sentindo-se chamado ao sacerdócio, foi ordenado no dia 11 de junho de 1953. Logo depois foi para Roma, onde formou-se em direito canônico. Retornou ao Vietnã, em 1959. Tornou-se professor e, depois, reitor do seminário, vigário-geral e, em 24 de junho de 1967, bispo de Nha Trang. Nessa diocese, sob seu pastoreio, o numero de seminaristas passou de 242 para 647. Ele também se dedicou a fortalecer a presença de leigos, de jovens e dos conselhos pastorais.

A nomeação de Van Thuan como arcebispo coadjutor de Saigon, pelo Papa Paulo VI, em 24 de abril de 1975, não agradou ao governo que recentemente se instalara. Vale lembrar que a história do Vietnã do Norte, se viu envolvido em uma guerra que foi de 1955 a 1975, sendo que o Norte, apoiado pela União Soviética e pela China, venceu o Sul, liderados pelos Estados Unidos. Assim, foi instalado um regime comunista, e tudo que remetesse à cultura ou religião ocidental era tido como suspeito.

Van Thuan foi, então, preso, acusado pelo governo de ser um espião “dos imperialistas”, atribuindo sua nomeação a uma conspiração entre o Império Americano e o Vaticano. Era a solenidade da Assunção de Nossa Senhora. Não houve julgamento, não houve condenação oficial, nem pena.

“Não raro, no mundo moderno, sentimos que somos perdedores. Mas a aventura da esperança nos leva mais longe. Um dia encontrei estas palavras escritas em um calendário: ‘O mundo pertence àqueles que amam e sabem melhor como prova-lo. ’ Como essas palavras são verdadeiras! No coração de cada pessoa há uma infinita sede amor e nós, como esse amor que Deus derramou em nossos corações, podemos satisfazê-lo.” (Cardeal Francisco Xavier Nguyen Van Thuan)

A VIDA NA PRISÃO – OPORTUNIDADE PARA A AMAR

A situação injusta a que foi submetido não desanimou o bispo. Quando pregou um retiro para o Papa João Paulo II, no ano 2000, Van Thuan contou que, precisamente no cárcere, tinha compreendido que o fundamento da vida cristã consiste em “escolher unicamente a Deus”, abandonando-se de maneira integral nas suas mãos paternas.

Da prisão, ele passou a escrever cartas para as comunidades cristãs, com papéis que um menino de sete anos levava para ele. O menino levava para casa as mensagens e seus irmãos copiavam e enviavam os textos para as comunidades, com exortações para que permanecessem firmes na fé e na esperança. Essas mensagens foram compiladas no livro A Jornada da Esperança.

Mais tarde, o bispo foi transferido para perto de Nha Trang, sua primeira diocese, em um navio com mais 1.500 prisioneiros famintos. Em Vinh-Quang, ficou confinado em um campo de reeducação, com outros 250 prisioneiros. O bispo Van Thuan foi mantido em um isolamento que durou longos nove anos. Não pôde levar nada para a cela, nem a Bíblia, apenas alguns pequenos pedaços de papel que encontrou, nos quais escreveu cerca de 300 frases do evangelho, e da Palavra de Deus tirava suas forças.

Ainda durante a pregação, no retiro papal, o próprio Van Thuan narra um pouco do que viveu na prisão: “Quando fui preso tive que ir imediatamente, com as mãos vazias. No dia seguinte, permitiram-me escrever ao meu povo para pedir as coisas mais indispensáveis: roupas, creme dental [...]. Escrevi: ‘Por favor, enviem-me um pouco de vinho, como remédio contra problemas de estômago. ’ Os fiéis entenderam imediatamente. Enviaram-me uma pequena garrafa de vinho para a missa, com a etiqueta ‘remédio contra problemas de estômago’, e algumas hóstias escondidas [...]. Nunca conseguirei expressar minha enorme alegria: cada dia, com três gotas de vinho e uma gota de água na palma da mão, celebrei a missa. Esse era meu altar e essa era minha catedral! [...] Tive sempre a oportunidade de estender as mãos e pregar-me na cruz de Jesus, de beber do cálice mais amargo[...]. Eram as missas mais belas de minha vida”. Ele celebrava, normalmente, às três horas da tarde, hora da agonia de Jesus. Celebrava em latim, vietnamita ou francês. Seu propósito pessoal na prisão era encher-se de amor.

Assim, como São Paulo, acabou por cativar os guardas, a quem ensinava outros idiomas. Muitos deles converteram-se ao cristianismo. Com a ajuda de seus amigos carcereiros confeccionou uma cruz de madeira, com cordão de arame, que passou a utilizar, e a manteve, mesmo depois do cardinalato. Van Thuan conseguiu fundar pequenos grupos de cristãos que se reuniram para rezar e, acima de tudo, para dar graças na celebração da eucaristia. À noite, quanto era possível, ele organizava sessões de adoração.

A LIBERTAÇÃO

Foi libertado em 21 de novembro de 1988, na Festa da Apresentação de Maria no Templo. Após sair da prisão, ele disse: “esta cruz e esta corrente, eu carrego comigo todos os dias, não porque me recordam a prisão, mas porque sinalizam uma convicção própria profunda, uma mensagem incessante para mim: só o amor cristão pode mudar os corações, não as armas, as ameaças e os meios de comunicação. É o amor que prepara o caminho para anunciar o evangelho. O amor vence tudo! ”

Uma vez libertado, foi nomeado para fazer parte da Comissão Católica Internacional pela Migração. Em 24 de novembro de 1994, foi nomeado vice-presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz. Em 24 de junho de 1998, tornou-se presidente do mesmo Conselho Pontifício.

Van Thuan pregou os exercícios espirituais da Quaresma para João Paulo II e para a Cúria Romana em 2000, pregação da qual retiramos alguns dos trechos acima citados. No ano seguinte, tornou-se cardeal. Em 17 de setembro de 2002, o Cardeal Van Thuan faleceu, após a luta contra um câncer. Seu processo de beatificação foi iniciado em 2007.