Autor: Paul Francis Spencer, cp in “Jubilaeum”, Formación & Catequesis
Tradução de: Pe. Porfírio Sá, CP
Neste Ano Jubilar celebram-se trezentos anos da fundação dos Passionistas, mas na realidade os Passionistas foram fundados de uma maneira muito estranha: já havia um carisma passionista antes de que houvesse uma comunidade passionista; já havia uma Regra escrita antes de que alguém a vivesse e havia um hábito antes de que alguém o vestisse. No caso dos Passionistas, o processo fundacional desenvolveu-se através de “sinais”, mais do que de “desígnios”, pelo que São Paulo da Cruz pôde dizer com toda a verdade que a Congregação da Paixão é completamente obra de Deus e não sua.
As nossas Constituições descrevem de maneira crua e pouco romântica o Hábito dos Passionistas: “O hábito próprio dos religiosos da Congregação é constituído por uma túnica preta, cingida por um cinto de couro, e pelo emblema da Paixão. Os religiosos usem o hábito como sinal da sua consagração e como testemunho de pobreza” (Const. 102).
No entanto, se quisermos refletir sobre o significado mais profundo dos “Símbolos” da nossa Congregação, temos que voltar à inspiração que precedeu a legislação. Para Paulo da Cruz, o hábito preto e o emblema vieram à luz, não através de um processo legal, uma discussão durante um Capítulo Geral ou, ainda, durante um tempo em que se tinha vivido e trabalhado de uma maneira particular. O mesmo Paulo descreve a origem destes “símbolos” num texto que escreveu em 1720 durante o seu retiro em Castellazzo. Estes sinais da nossa identidade começaram com uma inspiração numa experiência interior.
No Prefácio às Primeiras Regras, Paulo descreve como teve a “inspiração de me retirar para a solidão”, dizendo-nos: “estas inspirações dava-me o meu querido Deus com muita suavidade de coração” e, imediatamente, descreve pela primeira vez, um hábito que seria expressão da inspiração que tinha recebido: “Durante esse tempo recebi uma luz para me vestir de uma pobre túnica preta de estamenha, que é a lã mais ordinária que se encontra nesta zona, para andar descalço e viver em grande pobreza, isto é, com a graça do Senhor, para levar uma vida penitente”.
Paulo guardou esta inspiração no seu coração até o dia em que, ao regressar da missa na igreja dos Capuchinhos de Castellazzo, teve uma experiência interior que lhe confirmaria o que Deus estava a fazer nele e através dele. Escreve: “Neste momento, vi-me em espírito vestido de preto até aos pés, com uma cruz branca no peito e, debaixo da cruz, estava escrito o Nome Santíssimo de Jesus em letras brancas e, nesse momento, senti que me diziam estas palavras: «Isto é como que o sinal do puro e cândido que deve ser o coração que deve levar gravado o Nome Santíssimo de Jesus». Enquanto vi e ouvi isto, desatei a chorar e depois passou”.
Quando vê o hábito preto como o que agora conhecemos como o Símbolo Passionista, Paulo começa a chorar. Através do seu diário de Castellazzo, sabemos que as lágrimas são a resposta de Paulo ao amor abismal de Deus, que lhe foi revelado na Paixão de Jesus. A experiência é demasiada profunda para ser expressa com palavras: as lágrimas são para ele a única resposta adequada. Pouco depois, volta a ver a túnica que se lhe apresenta “com o nome Santíssimo de Jesus e a cruz totalmente branca, exceto a túnica preta”. Neste momento abraça o convite de Deus que esse sinal representa: “eu abraçava-o com júbilo de coração”.
O hábito e o emblema que recebeu através de uma inspiração e uma experiência interior, são portadores de significado, tanto para Paulo e seus irmãos, como para aqueles que vão receber o seu ministério. Explica-o no texto da Regra que escreveu durante o seu retiro em Castellazzo: “Ficai a saber, caríssimos, que a principal finalidade de andarmos vestidos de preto (segundo a particular inspiração que Deus me deu) é a de fazer luto em memória da Paixão e Morte de Jesus, para nunca nos esquecermos desta contínua e dolorosa lembrança. E, portanto, cada um dos pobres de Jesus procure inculcar a quem puder a piedosa meditação dos tormentos do nosso dulcíssimo Jesus…”
Hoje, como Passionistas, esquecemos com frequência que fomos fundados para ensinar as pessoas a orar. Vemo-nos envolvidos em muitos outros ministérios importantes. Como passei a maior parte da minha vida religiosa como pároco, sei disso por própria experiência. Mas fico radiante com este fragmento da primeira Regra de Paulo, porque me recorda aquilo que deve permanecer sempre no coração do que sou e do que faço: fui chamado a revestir-me da memória do amor sofredor de Jesus e a levar esse amor aos que lutam por encontrar a Deus no seu próprio sofrimento pessoal. O Passionista é alguém que veio conhecer o amor de Deus através da contemplação da Paixão e que é capaz de ajudar os outros a experimentar esse mesmo amor nas suas próprias vidas.
Encontramos esta dupla compaixão no Diário Espiritual de São Paulo da Cruz, compaixão por Jesus sofredor e compaixão pelo seu povo que sofre: “Desejo estar crucificado com Jesus” (23 de novembro). “Na Santíssima Comunhão estive particularmente recolhido, sobretudo ao fazer a dolorosa e amorosa narração dos seus tormentos ao meu Jesus” (8 de dezembro). “Pareceu-me fraquejar ao ver a perda de tantas almas que não sentem o fruto da Paixão do meu Jesus” (4 de dezembro). “Disse [ao meu Deus] que me aceitasse como o servo menor dos seus pobres” (7 de dezembro).
Não somos monges nem apenas missionários. Antes de tudo, somos pessoas que situam a cruz no centro das suas vidas. Uma cruz que contemplamos na oração e cuja presença podemos reconhecer na nossa própria vida e na vida dos outros. As palavras pronunciadas no Rito da nossa primeira Profissão, quando recebemos esse outro grande sinal da nossa Congregação, o Crucifixo, no-lo recordam: “Recebe, querido irmão, a imagem de Cristo Crucificado, a fim de que, contemplando-a com frequência, aprendas a gravar em ti a Palavra da Cruz e anunciá-la aos outros e, assim, alcances o fruto eterno do mistério Pascal”.
O título desta reflexão inclui o rosário entre os símbolos da nossa Congregação. Embora, oficialmente, o rosário nunca, tenha feito parte do nosso hábito passionista, lembra-nos o lugar que Maria ocupa na nossa vida passionista. Sabemos, pelo P. João Maria Cioni, que quando Paulo recebeu a visão do hábito e do emblema, “sentiu a presença de Maria Santíssima, mas não a viu com os olhos do corpo” (Processos, vol. 1, p. 38). Também na nossa própria vida, essa mesma presença de Maria nos acompanha no caminho da compaixão. Que ela, que partilhou os sofrimentos de Jesus no Calvário e acolheu o discípulo amado como seu filho, nos ensine a viver essa dupla compaixão com ternura de coração.