Belo Horizonte, 11 de agosto de 2017

RUMO AOS 300 ANOS DA CONGREGAÇÃO PASSIONISTA
Vou iniciar a oferecer uma série de reflexões sobre o carisma e espiritualidade passionista para nos preparar à celebração dos 300 anos da Congregação (2020)

1. Viver a ‘memória carismática’

Em 22 de novembro de 1720, na capela privada do bispo de Alexandria, Mons. Francesco Arborio di Gattinara, Paulo recebe, pelas mãos do seu bispo, o hábito passionista, um ‘rude saio’ (grosseiro hábito), anunciando a todos a sua consagração total e definitiva a Deus.

Com ele, na noite de 22 de novembro, uma sexta-feira, nasce a Congregação passionista. Os Passionistas de todos os tempos, lembrarão o primeiro berço da Congregação, na capela particular do bispo de Alexandria.[1]

Há uma história dos santos antes de suas mortes, e há uma história dos santos após suas mortes. Os eventos atuais que marcam a história de São Paulo da Cruz são o 150º aniversário da sua canonização, e, proximamente, o terceiro centenário da Congregação passionista.

Essa história nos diz que Paulo da Cruz está muito vivo. Sua vitalidade é percebida por nós religiosos e religiosas passionistas e por muitos leigos. Sobretudo, sentimos atuais seus ensinamentos, além de uma certa linguagem que pode ser obsoleta.

Sua doutrina espiritual pode ser resumida na doutrina batismal da ‘morte mística’ e ‘divina natividade’: morte ao mundo separado de Deus, ao mundo do pecado e renascimento ou ressurreição para uma vida nova que é a vida de Deus em nós.

Pe. Enrico Zoffoli, a este respeito, tem uma expressão particularmente feliz: “A hagiografia (ou seja, descrever a vida e as obras dos santos da Igreja) falharia em sua tarefa se ela não revelasse os incessantes renascimentos do Verbo nas almas”.[2]

O evento da canonização: 29 de junho de 1867

Estamos celebrando os 150 anos da canonização do nosso fundador Paulo da Cruz (29 de junho de 1867). Paulo faleceu no convento dos ‘Santi Giovanni e Paolo’ em Roma, no dia 18 de outubro de 1775, quarta-feira, às 16h45. Tinha quase 82 anos de idade (Nascido em Ovada - AL, 03 de janeiro de 1694).
Meia hora antes que expirasse, Mons. Tommaso Struzzieri (passionista), interpretando o desejo de todos, suplicou: «Pe. Paulo, lembra-se no Paraíso da pobre Congregação pela qual há tanto fatigado e de todos nós pobres filhos!». E Paulo «com fervor particularíssimo acenou que sim ».[3]

O papa Pio VI, que era muito ligado a Paulo, exortou logo os passionistas a promover o reconhecimento público da santidade através dos processos de beatificação e canonização. Desde o ano de 1776, começou-se a trabalhar para recolher seus escritos e os testemunhos daqueles que o conheceram. A pedido dos fiéis propagaram-se os santinhos: três anos após a sua morte tinham sido distribuídos já 12.000 santinhos, e falava-se de muitas graças recebidas por sua intercessão.

Foram organizados vários processos canônicos em várias cidades e foi encomendado ao Pe. Vicente Maria de São Paulo para escrever a biografia. Ele é o futuro São Vicente Maria Strambi, bispo de Macerata e Tolentino, um homem excepcional pela cultura e a capacidade de governo e, além disso, ele próprio um grande santo. Vicente escreveu uma biografia de 556 páginas, sendo sempre de joelhos, na pequena cela do ‘Ritiro di Sant’Angelo di Vetralla’ onde Paulo tinha vivido cerca de 25 anos. Um santo escreveu a biografia de outro santo.

As invasões dos revolucionários franceses e de Napoleão, com o exílio do Papa, fizeram atrasar a causa para a beatificação de Paulo da Cruz. Este se tornou venerável em 1821 e beato em 01 de Maio de 1853. Espalhando-se a Congregação além da Itália, por iniciativa principalmente do Beato Domenico Barberi, que desde 1841 levou-a para a Bélgica e Inglaterra, começaram-se a escrever biografias e a recolher ‘pensamentos espirituais’ de Paulo da Cruz, também em outros idiomas. No ano da canonização foi impressa uma primeira coleção de cartas dirigidas ao clero, com a intenção, então não realizada, de publicar também as outras.[4]

Para a canonização, 29 de junho de 1867, o Superior geral, Pe. Pedro Paulo Cayro, escreveu a todos os Provinciais exortando-os a enviar alguns religiosos como representantes de cada Província. Naqueles dias, na Casa geral dos ‘Santi Giovanni e Paolo’, pôde-se experimentar a unidade da Congregação na diversidade de culturas e línguas, pois os Passionistas já estavam presentes, bem como na Itália, também na Bélgica, Inglaterra, França, Holanda, Irlanda, Austrália e Estados Unidos.

A importância de ‘fazer memória’

A celebração dos 150 anos da canonização do nosso Fundador e a preparação dos 300 anos da Congregação passionista - e a nossa Província da Exaltação da Santa Cruz pode acrescentar a celebração dos setenta anos da chegada dos passionistas à Bahia, 23 de agosto de 1947 -, são uma extraordinária oportunidade para redescobrir o dom de Deus a toda a Igreja na pessoa e na espiritualidade de São Paulo da Cruz e de ter feito dom, por meio dele, da ‘Congregação da Paixão’ à Igreja.

Estes aniversários são eventos de fé e um lembrete para todos nós que São Paulo da Cruz, com seu exemplo e seus escritos, pode ajudar-nos em nosso caminho rumo à santidade de vida.

Devemos considerar estes anos de história, como uma parte da história da salvação: um caminho de fé, esperança e amor que reafirma a certeza da presença sempre próxima do Senhor, que conduz e guia com sabedoria e amor a história da Congregação, certeza de que estamos empenhados na obra de Deus, continuando o carisma que Paulo da Cruz nos deixou.

Gostaria de fazer a leitura desta história à luz de algumas sábias palavras do filósofo Soren Kierkegaard: a vida só pode ser entendida olhando para trás, e deve ser vivida olhando para frente. ‘Fazer memória’ é uma expressão de fortes ecos bíblicos, que não nos coloca simplesmente no passado, mas nos empenha hoje, no quotidiano de nossa vida, para interpretar esse passado portador de significado, de forma criativa.

‘Fazer memória’ leva-nos a encontrar o fio condutor que une, motiva, enriquece e estimula a nossa vocação passionista. A memória do reconhecimento oficial da santidade de Paulo da Cruz (1867) deve nos conduzir a duas fontes que deram origem à nossa família passionista:
- a pessoa de Jesus e a sua paixão pela humanidade,
- o nosso Fundador, os primeiros passionistas e o carisma que nos transmitiram.

E aqui temos a obrigação de lembrar os primeiros passionistas que da Itália chegaram à Bahia, em Salvador: quantos sacrifícios, quantas renuncias! Nós somos os herdeiros de seu zelo e ardor missionário. Não podemos decepcioná-los.

A memória carismática mais do que uma teoria é uma história de amor. Manifesta a intervenção de Deus no passado, quando a nossa Congregação dava os primeiros passos; intervenção que continuou ao longo da história nestes 300 anos, e que nos dá a certeza de que Deus ainda está presente e que estará presente também no futuro, manifestando sua providência e sua proteção.
Trata-se de uma memória coletiva que nos dá o sentimento de identidade e de pertença, e que deve inspirar nossa missão em todas as suas formas.[5]

É a partir da ‘memória carismática’ que conseguimos ter bem claro a nossa missão de hoje, que nos leva a fazer um grande esforço na releitura e na interpretação da ‘genuína inspiração’ da Congregação. [6] Com duas finalidades:
- guardar fielmente “o pensamento e os objetivos” do nosso Fundador
- e “repropor corajosamente o espírito de iniciativa, a criatividade e a santidade”[7] de Paulo da Cruz, “como resposta aos sinais dos tempos visíveis no mundo de hoje”.[8]

Estamos vivendo, com o processo de reestruturação e revitalização da Congregação, uma fase de necessária e paciente reelaboração de tudo aquilo que constitui o patrimônio e a identidade da Congregação dentro da Igreja e diante da história. Nesse processo, o que nós dará segurança é a ‘memória carismática’.

Pe. Giovanni Cipriani
Superior provincial

 

1. Cf.: P. ENRICO ZOFFOLI C.P., S. Paolo della Croce - Storia critica, Curia Generalizia PP. Passionisti - Commissione Storica, Santi Giovanni e Paolo, Roma, 1965, Vol. II, p. 185.
2. Cf.: P. ENRICO ZOFFOLI C.P., S. Paolo della Croce - Storia critica, Curia Generalizia PP. Passionisti - Commissione Storica, Santi Giovanni e Paolo, Roma, 1965, Vol. II, p. 675.
3. Cf.: P. ENRICO ZOFFOLI C.P., S. Paolo della Croce - Storia critica, Curia Generalizia PP. Passionisti - Commissione Storica, Santi Giovanni e Paolo, Roma, 1963, Vol. I, pág. 1518.
4. Cf.: ADOLFO LIPPI, Rivista ‘Il Crocifisso’, Mensile di spiritualità passionista, Anno 97, Luglio 2017.
5. Cf.: P. GIOVANNI MARINO, CP, Il carisma di San Paolo della Croce. Itinerario di spiritualità laicale passionista, Rivista ‘La Missione - Il santuario di Laurignano, Anno LXXXVIII, N. 3, Maggio-Giugno 2017.
6. PC, n. 2.
7. VC, n. 37.
8. CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Para vinho novo, odres novos. A vida consagrada desde o Concílio Vaticano II e os desafios ainda em aberto. Orientações, 2017, n. 5.