Homilia de Dom Washington Cruz,CP na Missa do Jubileu de 300 anos da Congregação
09/05/2021

Um livro muito vendido há alguns anos, dizia que a Igreja tem um segredo. Será que tem? Não me parece. A Igreja Católica não tem nenhum segredo reservado a uma elite de iniciados: tudo aquilo em que cremos; tudo aquilo que vivemos, nós o divulgamos a todos os que o queiram conhecer, para que o possam viver também. Jesus, sim, tem um segredo.

Mas não o escondeu, nem o guardou para si, pelo contrário, revelou-o aos seus discípulos, na Última Ceia. É o próprio Jesus que o diz no Evangelho de São João hoje proclamado: “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor” (Jo 15, 09).

É este o segredo de Jesus: o seu amor ao Pai, a permanência no seu amor, a sua absoluta fidelidade ao Pai. É este amor que explica a sua vida, os seus ensinamentos, os seus milagres, e por fim a sua morte na cruz. Quem quiser conhecer Jesus ignorando, voluntária ou involuntariamente, este segredo, nunca O conhecerá.

O “Jesus” de livros como o “Código Da Vinci” e tantos outros, não é verdadeiro, nunca existiu. Mas o Jesus de que nos falam os Evangelhos, este sim. É nele que acreditamos, é a Ele que amamos e seguimos. Os quatro Evangelhos, baseados no testemunho de testemunhas oculares, captaram o seu segredo, e transmitiram-no fielmente aos cristãos e a todos as pessoas que estejam abertas a conhecê-lo.

A primeira leitura desta Missa, dos Atos dos Apóstolos, diz-nos também que Deus “não faz distinção de pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10, 34-35).

No contexto em que estas palavras foram ditas, diante do primeiro pagão que se tornou cristão, estas palavras de São Pedro significam que Deus não exclui ninguém, chama todos os homens para que conheçam Jesus e se unam a Ele. Também nós fomos chamados, e queremos fazer chegar a notícia deste chamado a muitos outros. Assim a nossa vida terá sentido e será feliz. E ajudaremos o mundo a renovar-se e ser melhor.

Prezados Irmãos e Irmãs, nesse tempo pascal cheio de graça, os senhores estão vendo ao redor deste altar vários sacerdotes. Alguns são conhecidos, os missionários Redentoristas, que dirigem este santuário-basílica há mais de cem anos.

Outros não são conhecidos: são os filhos espirituais de São Paulo da Cruz. Vierem somente os que puderam. Jesus, a graça suprema, está no meio de nós. Nossos corações estão unidos ao Senhor e nossas mãos estão entrelaçadas para agradecer ao Divino Pai Eterno os 300 anos da fundação da Congregação da Paixão ou dos Passionistas, à qual pertencemos, inclusive o bispo que preside a este Eucaristia.

Nossos hábitos religiosos, que vestem os nossos corpos, sinalizam o carisma que nos encantou, o chamado pessoal que um dia ressoou em nossos ouvidos, a mística e os votos que fizemos. Contemplamos com amor a suprema paixão de Cristo, e, por causa, dele misturamos as nossas vidas junto aos crucificados desse mundo.

O Papa Francisco, em sua mensagem enviada ao Pe. Joaquim Rego, Superior Geral dos Passionistas, pelos 300 anos da fundação escreveu: “Não é possível convencer os outros do amor de Deus somente através de um anúncio verbal e informativo. Precisamos de gestos concretos que nos façam experimentar esse amor em nosso próprio amor que se doa, compartilhando situações crucificadas, mesmo gastando nossas vidas até o fim, deixando claro que entre o anúncio e sua aceitação na fé corre a ação do Espírito Santo”.

Não chegamos a este altar, hoje, apenas com alguns acontecimentos de percurso. Trazemos a totalidade de nossas vidas, com seu curto ou longo itinerário, percorrido com fortaleza e com perseverança: a companhia fraterna, o carisma, a mística e a missão que sustentam as nossas vidas. Por tudo isso, que tece as minhas entranhas, mais do que uma homilia, desejo que o murmúrio de minhas pobres palavras se transforme em prece de louvor a Deus.Convido-os para comigo elevar louvores ao Senhor por todo o bem que Ele nos fez e pelos 300 anos da fundação da nossa família religiosa.

Paulo Danei nasceu em Ovada (Piemonte-Itália) em 1694, de piedosos pais, que muito educaram o filho no Cristianismo. Foi o segundo de 16 filhos. Quando jovem de oração e contemplativo, fez uma aliança com colegas, a fim de meditarem a Paixão e morte de Jesus.

De início, trabalhou com o pai e não sentia o chamado ao sacerdócio, mas, ao apostolado. Aos 19 anos, ouvido uma exortação do pároco, sentiu-se profundamente comovido e resolveu entregar-se inteiramente ao serviço de Deus. Assim, partilhou com o seu Bispo, o impulso de propagar a devoção à Paixão e morte daquele que morreu por amor à humanidade e salvação de cada um.

Enviado pelo Bispo, tornou-se instrumento de conversão para milhares de pessoas, até que o Bispo o ordenou sacerdote e, mais tarde, o Papa deu a licença para aceitar candidatos em seu Noviciado.

Nasceu desta maneira a Congregação dos Missionários Passionistas, aos 20/11,1720, com a finalidade de firmar nos corações dos fiéis um grande amor à Paixão e morte de Nosso Senhor, através das missões populares. Além da Congregação dos Missionários Passionistas, fundou também um instituto feminino de estrita clausura: as Monjas Passionistas.

Profundo devoto da Sagrada Paixão, Paulo Danei, desde que começou o apostolado sozinho não abandonou o hábito preto, a cruz branca e as duras penitências, como se alimentar de pão e água e dormir no chão. Depois de muito evangelizar (também através de suas muitas cartas) e alcançar milagres para o povo, associou-se à Cruz e à Nossa Senhora das Dores, para entrar como vitorioso no Céu aos 18/10/1775, com quase 82 anos de idade. O Papa Pio IX canonizou-o em 1867. O seu corpo pode ser venerado na basílica dos santos João e Paulo, em Roma.

Em uma breve homilia não se pode falar tudo sobre a vida de um santo.

A pandemia veio trazer ao terreno da vida duas palavras solidariedade e indiferença. Na verdade, filhos de um único pai, caminhamos juntos numa solidariedade universal que não permite a indiferença. Na mesma mensagem do Papa Francisco ele diz: “Não deixem de focalizar o vosso compromisso com as necessidades da humanidade. Que este pedido missionário seja dirigido, sobretudo, para os crucificados do nosso tempo: os pobres, os fracos, os oprimidos e os rejeitados pelas muitas formas de injustiça”. Lemos e ouvimos todos os dias que a crise sanitária e social apenas pode ser ultrapassada pelo exercício da solidariedade que se torna visível através de gestos e atenção de solicitude concreta.

As nossas comunidades terão de ser cada vez mais misericordiosas, compassivas, interventivas, solícitas, generosas, inclusivas, proativas no amor.

“Em 1764, durante a carestia que desolou muitas regiões da Itália, São Paulo da Cruz escreveu uma carta circular a todos os seus religiosos, convidando-os a restringir a comida em casa, para esfomear os pobres que acorriam aos conventos pedindo um pedaço de pão'.

Em uma de suas cartas São Paulo da Cruz confiou a uma leiga, sua dirigida espiritual, Rosa Calabresi, o seguinte fato:

“Eu estava num convento, e se apresentou um pobre maltrapilho, com as vestes rasgadas e quase caindo no chão. Pediu-me esmola, e eu lhe dei. Depois, dirigindo-se a mim perguntou: Você me conhece? Respondi: Eu o conheço sim. Você representa Jesus para mim. Perguntou-me eu represento Jesus Cristo? Respondi: Sim você representa Jesus Cristo! Ao que o pobre respondeu: E se fosse o próprio Jesus Cristo? Paulo ficou tão comovido com aquelas palavras que caiu no chão. Disse-lhe várias coisas, fez ato de contrição pediu perdão, experimentou um júbilo interior inexprimível. Diz, em seguida: Passei a vê-lo como antes, mas na figura de um belíssimo jovem, que me tomou pela mão e me levantou. Se eu ficasse falando sobre isso até o fim do mundo, jamais poderia dizer como se tornou diante de mim aquele jovem, Que esplendor! Assim, o Senhor premiou, o Pe. Paulo, por seu amor aos pobres (Le tre lampade; pg 200).

Como escreveu o Papa-emérito Bento XVI, “Jesus é o amor encarnado de Deus” (Encíclica Deus caritas est [Deus é amor], n.12), o amor feito carne, tornado visível, palpável, esse amor que podemos experimentar e viver. É em Jesus que conhecemos o amor, é em Jesus que nos sentimos amados, é com Jesus que aprendemos a amar, e somos purificados de todas as formas de amor falso, sendo certo como escreveu Karol Wojtyla, o futuro João Paulo II, no seu livro Amor e responsabilidade, que “o amor falso é um mau amor”.

Dom Washington Cruz, CP
Arcebispo Metropolitano de Goiânia-GO